Enquanto Macunaíma se levantava enquanto era possível ver os peixes no rio numa dança sincrônica anunciando a chegada de nosso herói. E tinha dos mais variados peixes de água doce. Tinha abotoadoas, aruanãs, barbados, bicudas, corimbatás, corvinas, dourados, jurupocas, matrinxãs, pacus, piaus-flamengo, piaus-três-pintas, piraíbas, piranhas-preta, tilápias, traíras e tucunarés. As aves sobrevoavam por cima de Macunaíma num murmurejo
Macunaíma caminhou pela ilha e descobriu que estava numa festa dentro da floresta. O som estranho não parava de tocar, o brilho que ele assistia piscar e ofuscar eram as luzes coloridas que iluminavam pela noite. Ele avistou ocas enormes, uma delas tinha uma pirâmide mais alta que o Gigante Pietro Pietra e tinha muitos jovens. Tinha gente que parecia da sua tribo, filhos de mandioca e pretos retintos, assim como ele quando havia nascido. Mas nem todo mundo ali pertencia à selva não. Era gente de todos os cantos do Brasil! Tinha “bah”, “oxente”, “égua”, “é nois na fita, mano”, “demorô”, “fio” e uma infinidade de sonoridades de nosso país. O herói de nossa gente ficou encantado com tantas cunhãs bonitas e teve vontade de brincar com todas elas.
Nosso herói esqueceu do calor danado que faz quando é dia na Amazônia, da Vei, a Sol que brinca de fazer arder na pele dos homens. Deu um mergulho no rio. Avistou de longe uma cunhã da pele morena e cabelos cor do fogo se banhando. Temendo que fosse Currupira querendo de volta a carne de sua perna, nosso herói se aproximou faceiro e quando percebeu que não era a maldita Currupira deu um mergulho e beliscou as coxas da cunhã. A moça gostou e os dois brincaram algumas vezes no rio. E ficaram se rindo um pro outro.
Depois do banho, Macunaíma continuou andando pela festa que nunca terminava até avistar uma grande muiraquitã muito parecida com a que Ci lhe deu de presente, pintada na perna de um moço. Mas era uma pintura muito colorida grudada na pele e que não saía com suor, nem com muita água, esfregão e sabão. Era diferente das que a sua tribo pintava na pele com urucum. Nosso herói quis a muiraquitã pra ele, mas o moço disse que de lá a muiraquitã não saía, não. Macunaíma ficou injuriado e chispou correndo atrás do moço. Correram muito. Passaram pelo Piauí, Ceará e Pernambuco. Quando passaram pela Bahia, Macunaíma perdeu o moço de vista, mas logo o encontrou debaixo da saia da dona da banca de acarajé. Correram mais e mais durante toda manhã até se cansarem. O moço se escondeu por entre os arbustos da ilha, bem distante da beira da praia para descansar. Macunaíma encontrou o danado tirando um cochilo e juque! Deu uma mordida na perna do moço, arrancando a imagem com carne e tudo. Nosso herói amarrou o pedaço da perna em volta do pescoço com um nó muito forte pra não perder que nem fez com a muiraquitã de Ci. Mas o pedaço de carne contou pra ele que aquilo não era muiraquitã de verdade, apenas tinta e se chamava tatuagem. Macunaíma ficou injuriado. Mas olhou a sua volta e percebeu que quase todo mundo ali tinha tatuagens e agora ele também tinha a dele.
Passando por uma das ocas imensas, nosso herói encontra uma cunhã sentada no chão fazendo colares com sementes de açaí. Macunaíma estranhou a moça que era filha de mandioca... Tinha cabelo loiro e tão pixaim que eles cresciam e se uniam em pedaços que mais parecia um monte de cobras loiras. Nosso herói aproveitou a distração da cunhã, arrancou uma das cobras da cabeça da moça com osso de jaguatirica sem que ela percebesse e amarrou em sua cabeça. Na verdade as cobras alvas se chamavam dreadlocks. Macunaíma ficou feliz por ter aquele penacho de cabelo loiro como adorno.
No espaço onde ele estava, tinha música que dava vontade de dormir e bastante gente estava fazendo isso. Uns fumavam cigarros de cheiro doce e estranho que não era tauari e nem dos que vende
Macunaíma entrou em sono profundo e sonhou com o Gigante Pietro Pietra. Acordou assustado. Pegou outro susto quando abriu os olhos e deu de cara com uma guria olhando e sorrindo pra ele. Macunaíma pulou bem alto que nem pulga de circo e atirou a menina no chão. A moça ria mais ainda. Nosso herói não entendeu a graça de tanta risada. – Que tu tanto ri, desgraça? Dizia nosso herói. A guria puxou Macunaíma pela mão e levou nosso herói pra outra oca que chamava de pista de dança. No caminho, nosso herói contou pra moça sobre o gigante comedor de gente e seu fim numa panela quente. Contou ainda que travou uma luta muito, muito sangrenta com o gigante e vencera graças às técnicas de luta oriental ensinadas por um louva-deus. A moça disse que existem muitos gigantes comedores de gente, mas a maioria mora em Brasília, atendem pelo pronome Vossa Excelência e governam o país. - Esses não roubam muiraquitã, roubam é dinheiro do povo! Disse a guria. Macunaíma teve uma vontade enorme que Jiguê tivesse ali pra transformar o mano em máquina telefone e xingar esses gigantes. Mas nem que ele estivesse... Nem sinal de celular pegava na ilha.
Os dois chegam na pista de dança e nosso herói vê um monte de gente pulando feito macaco prego, ouvindo uma música agitada feito bate estaca de frente para a pirâmide gigante. Dentro dela havia um Xamã, mas era um Xamã diferente que mexia em máquinas cheias de botões brilhantes e levavam som para umas caixas enormes e elas emitiam música e não era som de violão, nem de piano, nem de buzina. E era um som que hipnotizava as pessoas. Nosso herói chegou perto da máquina caixa de som e ficou abestalhado com tamanho barulho que saía delas. Macunaíma conhecia magia de macumba, magia de Manaape, magia das tribos indígenas, magia da natureza, mas magia de máquina de som era novidade. Passou o resto da tarde encostado numa das caixas e repensou se as máquinas eram realmente deuses. Logo a guria explicou que o Xamã é o DJ e é ele quem toca e produz essa música eletrônica. Nosso herói logo conclui: Não é sempre que a máquina briga com o homem e vice-versa porque toda aquela magia era resultado da união da máquina com o homem.
Já era noite quando nosso herói viu que seu lado tinha um velho e ele vestia uma camisa que brilhava no escuro. Macunaíma pensou que ele fosse um vagalume transformado
Macunaíma achou que tivesse engolido várias lagartas porque depois de algumas horas sentiu como se tivesse com três ou quatro borboletas na barriga. Depois vieram calafrios e arrepios na espinha, igualzinho ao que ele sente quando brinca com as cunhãs. Nosso herói começa a gargalhar incansavelmente ao ver todas as coisas brilhando e as cores mais intensas como nunca viu em toda sua história. A música tinha o cheiro da chuva. Depois ficou com o mesmo odor da peruca da dona da pensão que usou para se disfarçar de francesa para enganar o gigante. Depois teve cheiro da Oca onde morava com seus irmãos. Na boca do herói tinha gosto do suor de Ci, a mãe do mato. Olhou com saudades para o céu. Avistou a linda estrela em que ela tinha se tornado sorrindo pra ele, quase igual à lua crescente. Macunaíma saltou bem alto e abraçou forte a estrela. Nadou por cima da ilha onde havia uma baleia gigante que devorou nosso herói. Na barriga da baleia Macunaíma foi transformado em excremento e foi expelido como todo bolo fecal é expelido. Nosso herói caiu novamente na pista.
Quando olhou para suas mãos percebeu que ela, assim como todo seu corpo mudava de cor. Ficava verde, azul, rosa, roxo e todas as cores do arco íris. Passou muito tempo trocando de cor que nem camaleão e deu muitas gargalhadas por conta disso. As pessoas ao seu redor também estavam diferentes. Elas nem pareciam de verdade pois se derretiam na frente do nosso herói. Os objetos adquiriram olhos e não paravam de fitar Macunaíma, seguindo ele por onde ele passava. Uma vontade incontrolável de se mexer com a música contagiou nosso herói que se juntou à tribo naquele ritual. Macunaíma batia o pé tão forte no chão que toda a ilha estremecia com aquela energia que voltava para ele em forma de choques elétricos.
No rio, perto da beira da praia, Macunaíma avistou um grupo mulheres nuas que faziam malabares com fogo e Macunaíma disse que também sabia fazer isso. Disse ainda que lá no infinito de onde ele veio, ele faz a mesma coisa só que com cometas. Mas isso era outra mentira do herói porque lá no céu ele fica grudado, quase não dá pra se mexer. E foi por se mexer demais que ele acabou se desgrudando. Uma das cunhãs deu os malabares para Macunaíma e ele se queimou com a chama dos malabares.
– Criança que brinca com fogo, mija na cama! Gritava uma das moças e todas as mulheres nuas riram bastante de nosso herói que foi embora muito enfurecido.
Após algumas horas Macunaíma retorna a seu estado normal. Estava cansado das viagens e sensações que o velho vagalume havia lhe dado. Pensou que esse negócio de psicodelia era coisa forte, mas queria mais um monte dessas só que não agora porque nosso herói estava mui fadigado. Se aborreceu com o velho, com os gigantes que comem gente e moram em Brasília, com os telefones que não pegam, com as mulheres nuas, com a Muiraquitã tatuada e com toda essa gente estranha fazendo arruaça em plena floresta. Concluiu que esse mundo contemporâneo é demais estranho e prefere ficar observando tudo de lá de cima.
– Ai que preguiça! Exclamou Macunaíma olhando pro céu já querendo clarear. Nosso herói fechou bem os olhos e ainda com a feitiçaria de Piauí-Pódole abriu o peito com as próprias mãos fazendo escorrer todo seu sangue pela festa. As estrelas brotaram do sangue na areia da praia e subiram até se grudar novamente no infinito.
Muitas pessoas que estavam dançando na pista viram o herói de nossa gente se transformar
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